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sexta-feira, 22 de julho de 2016

SEXO MARCADO

Existe muita coisa na sociedade moderna que me provoca um certo asco. Não sei bem se nasci numa época que não a minha, se faço parte de uma percentagem mínima da minha geração que se revolta contra este avanço extraordinário que incentiva a preguiça, o sexo marcado, as relações por SMS ou pelas redes sociais e a falta de carisma e personalidade. A época de casais que ambicionam tirar a melhor fotografia para o Instagram para acabarem agarrados ao Smartphone, numa competição supérflua para ver quem tem mais “Likes”. A época em que esta tendência se ergue numa distorção de valores, numa mudança meio estranha de mentalidades.
Surgiram já há uns anos sites e aplicações para encontros, conhecer pessoas online, “encontrar o amor” - dizem. A mais recente moda é a do “Tinder” e afins. Resumidamente, estas aplicações funcionam como um catálogo, em que os produtos oferecidos são pessoas com a mesma orientação sexual que estão ou estiveram pela mesma área. Decidi experimentar depois de conhecer algumas pessoas que lá estiveram, umas na brincadeira e outras porque procuravam sexo sem compromisso e umas pitas.
Inscrevi-me numa aplicação do género do Tinder. Em primeiro lugar, devo dizer que fiquei surpreendida. O catálogo era muito apelativo, contrariamente ao que esperava – tinha a ideia de que quem aderia a aplicativos do género eram pessoas com falta de autoestima e, não querendo ir por aí, com razão para tal. Então comecei a parte mais aliciante da questão - passar o catálogo, escolher os produtos.
Compreendo as pessoas mais tímidas que ficam acanhadas face-a-face e acabam por se relacionar com mais facilidade devido a esta barreira da distância. Não sei como fazem se realmente se encontrarem com a pessoa mas, conversar online, de facto é mais fácil. No que diz respeito à compreensão, ficamos por aqui.
Conversei com alguns marmanjos engatatões dos quais seleccionei dois tipos, sendo a mais comum – “Estou aqui porque gosto de conhecer pessoas” – quase ao nível de “li e concordo com os termos e condições de uso”. A maior parte procurava passar um bom bocado, logo depois de dizer que está ali para conhecer pessoas diferentes e os mais diretos, o segundo tipo, já parte de um nicho de meninos com mais confiança, ia direto ao assunto com “o que achas de amizades coloridas?”. Na maior parte das vezes pediram-me um encontro, quase todos um café (primeiro), e mais uma vez os mais diretos convidaram-me a ir “ver um filme a casa deles” ou outra deixa parecida.
Fui capaz de inventar uma pessoa completamente oposta a mim, inventar as histórias mais estúpidas, tretas sem sentido nenhum, engoli uma enciclopédia de frases feitas e cuspi-as todas e ninguém se apercebeu. Isto significa que nunca sabemos quem está do outro lado, mas esta já é velha. Depois, por trás de tanta confiança, de tanta personalidade possivelmente mal avaliada no texto (escrito muitas
vezes por “Tarzans”) quem é que garante que pessoalmente não são uns enormes panhonhas ou um taradeco qualquer? - Não cheguei a descobrir, decidi manter o meu rim.
Mais impressionante ainda é a quantidade de pessoas que estão ali à procura de “bons momentos”, tanto os que vem com a tanga abissal do conhecer pessoas, como os mais diretos. Bem, nada contra bons momentos, aprovo e subscrevo, mas qual é a graça do sexo marcado assim, sem sal? E antes disso! Onde está aquela sensação insubstituível que surge quando o interesse é mútuo, mesmo que ninguém queira ali mais do que uma boa noite, onde está o ritual do charme, onde está o risco que se corre quando se falam pela primeira vez, a medo, e a pequena euforia quando é correspondido. Onde está aquela conversa absurda, os olhares cruzados. Onde está o pensamento rebelde que nos diz “já estás!”, mesmo quando o tentamos evitar.
E chega, acredito que já me fiz entender.
Mas enfim, também me revolta a fome no mundo, o aquecimento global e a corrupção. Ou não.
Cada um faz o que quer.
Joana Cancelinha

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